A primeira vez que o vi, sentou-se à minha frente. A mesa extensa de tamanho e de vozes era obliterada pela imensidão do seu sorriso. Não o conhecia, e, ainda assim, aquele mundo que se abria quando sorria, exercia sobre mim o mesmo fascínio inevitável que a luz sobre as mariposas.
Havia algo de insuportavelmente doce nele. Sobrou-me o enjoo e divergi a atenção.
As conversas continuaram e cruzaram-se. Acima delas ouviam-se os talheres que tamborilavam as travessas, cuja irrequietude as fazia fazer viagens acima e a sul da mesa. De vez quando caíam. Encolhiam-se os comensais e recolhiam os copos. Tudo se pode transformar, menos o líquido derramado. Inutilizado em manchas de sangue crescente.
O avançar do relógio provocava convulsões entre as cadeiras. Pigarreavam os que se levantavam e emitiam todos as mesmas justificações «são as horas...». Ele permaneceu sentado. Eu também.
E foi num desses momentos de paragem dos ponteiros que me apaixonei. Quando um comentário a algo que me escapou já da memória, lhe relampejou o olhar.
Nunca precisei de o ouvir dizer que as minhas palavras compreendiam em si um espírito de contradição ou segunda leitura. Acende-lhe aquele relâmpago e antes que termine a sua articulação já sei que necessitam de clarificação.
A seguir ri. Um som que o escala e sai espontâneo através das cordas vocais.
Esqueci o doce. Fica-me sempre a impressão áspera daquele veneno que o espigão de relâmpago incorpora.
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