domingo, 18 de dezembro de 2016

Message by the sea


                                                                 *in Pontinha, Funchal, 2008.





segunda-feira, 17 de outubro de 2016

SABEIS VÓS A QUANTIDADE DE ENERGIA NECESSÁRIA PARA SUSTENTAR UMA MENTIRA?

Sabeis vós a quantidade de energia necessária para sustentar uma mentira?
Aquela em que nos induzimos a acreditar. Que racionalmente faz mais sentido para nós? Que se enquadra no nosso sistema de crenças, na forma como nos foi dito que a vida deveria ser vivida. E nós acreditámos.

E mesmo que todas as células do nosso corpo e a nossa energia inata se rebelem contra a crença, contra a mentira, contra a racionalidade daquilo, continuamos a sustentá-la. A crescer-lhe mais um pilar ou a reforçar-lhe a estrutura. Para que fique mais forte. Para que a sua estrutura nos convença da sua veracidade.

Aplicamos-lhe uma camada de verniz. Uma operação estética que serve para induzir os outros à certeza da nossa crença. Porque se eles (essa massa anónima que nos é externa e nos habita a vida) acreditarem, há um fundamento maior para a minha mentira. Ela passa a ser validada externamente. E aceite.

E se for aceite eu estou enquadrada. E se eu estou enquadrada, o mundo faz sentido. Está tudo bem. Há um nível de segurança que foi garantido. Uma aceitação que foi cumprida. E portanto, embora haja algo de intrínseco em mim que negue a veracidade do que afirmo, embora o músculo miocárdio se contraia à dor de cada vez que o afirmo, revisto-me de uma segunda camada estética, desta feita de voluntarismo convicto do que digo. Enterro firmes os pés no solo que escolhi para fundamentar raízes e permito que estas se contorçam, se desfigurem, se retorçam, conquanto seja abaixo do que é visível aos outros.

Enquanto isso canalizo energias às raízes. Não porque a sua cristalização as exija, mas porque o meu medo da sua fragilidade o determine. É necessário manter íntegra a estrutura por mim criada. Sólida, nutrida, vigorosa. Para que não subsistam dúvidas da certeza que a criou.
E nesta sustentação criei as sanguessugas da minha vida. Existo apenas para as alimentar.

domingo, 2 de outubro de 2016

Olhares

A primeira vez que o vi, sentou-se à minha frente. A mesa extensa de tamanho e de vozes era obliterada pela imensidão do seu sorriso. Não o conhecia, e, ainda assim, aquele mundo que se abria quando sorria, exercia sobre mim o mesmo fascínio inevitável que a luz sobre as mariposas.
Havia algo de insuportavelmente doce nele. Sobrou-me o enjoo e divergi a atenção.
As conversas continuaram e cruzaram-se. Acima delas ouviam-se os talheres que tamborilavam as travessas, cuja irrequietude as fazia fazer viagens acima e a sul da mesa. De vez quando caíam. Encolhiam-se os comensais e recolhiam os copos. Tudo se pode transformar, menos o líquido derramado. Inutilizado em manchas de sangue crescente.
O avançar do relógio provocava convulsões entre as cadeiras. Pigarreavam os que se levantavam e emitiam todos as mesmas justificações «são as horas...». Ele permaneceu sentado. Eu também.
E foi num desses momentos de paragem dos ponteiros que me apaixonei. Quando um comentário a algo que me escapou já da memória, lhe relampejou o olhar.
Nunca precisei de o ouvir dizer que as minhas palavras compreendiam em si um espírito de contradição ou segunda leitura. Acende-lhe aquele relâmpago e antes que termine a sua articulação já sei que necessitam de clarificação.
A seguir ri. Um som que o escala e sai espontâneo através das cordas vocais.
Esqueci o doce. Fica-me sempre a impressão áspera daquele veneno que o espigão de relâmpago incorpora.




quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

David Bowie - "African Night Flight"


"African Night Flight"
African nightmare one-time Mormon
More men fall in Hullabaloo men
I slide to the nearest bar
Undermine chairman
I went too far
Bent on a windfall
rent a sony

Wonder
how the dollar went down
Gotta get a word to Elizabeth's father
Hey no, he wished me well

Seemed like another day
I could fly
into the eye of god on high

His burning eye will see me through
One of these days, one of these days
Gotta get a word through one of these days

Asanti habari habari habari
Asanti nabana nabana nabana

Getting in mood for a Mombassa night flight
Pushing my luck, gonna fly like a mad thing
Bare strip takeoff
skimming over Rhino

Born in slumber less than peace
Struggle with a child
whose screaming dreaming
Drowned by the props all steely sunshine

Sick of you, sick of me
Lust for the free life
Quashed and maimed
Like a valuable loved one
Left unnamed

Seemed like another day
I could fly
into the eye of god on high

Over the bushland over the trees
Wise like Orangutan that was me

His burning eye will see me through
One of these days, one of these days
Gotta get a word through one of these days

Asanti habari habari habari
Asanti nabana nabana nabana



David Bowie

sábado, 9 de janeiro de 2016

sonhos libidinosos

Bibi Andersson, Liv Ullmann, "Persona", Ingmar Bergman, 1966.


Existe algo na pureza do olhar que nos invade, e torna presente o outro em nós. Assim foi com esta imagem "Bergmaniana" que me acompanhou sempre, colada aos cadernos, às paredes dos quartos onde dormi, aos wallpapers de computadores, na intimidade dos sonhos, criando platonismos envolventes, onde o sublime, e o inatingível, se tornam possíveis.


*Aos eternos amantes da Beleza, o eterno infortúnio de ter de viver sem ela! O Esteta pune-se com a contemplação!

*Uma vagina sorridente encostou-se a um pénis enraivecido (Florípedes, seu nome) e cometeu um acto de canibalismo.


*Vaginas em chamas devoram-me a líbido e transformam-na em orgasmos púrpura.

*Pintelhos negra-flor deliciam-me o hipotálamo que procura no teu sexo-veludo a cumplicidade sublime de um devaneio.

*Sonhos pop embalam-me com beijos de seda libidinosos e segredam-me desejos proscritos por um Deus assexuado... "Amo-te" - um sussurrar sorumbático inaudível.

*Subtis voluptuosidades embriagam-me o espírito sedento de uma tertúlia incandescente, com aroma poético e envergonhado do teu sexo.

*Os anjos brincam no jardim da Lua com o teu sexo-flor ofuscando o brilho do Sol e o cintilar das Estrelas!

*Os anjos têm falos pujantes, de fogo prateado, e rasgam o céu da boca, roçando as asas como uma Fênix renascida!




Hood

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

domingo, 3 de janeiro de 2016

delírios de um tempo ausente (sempre presente)

François Sagat


*Três mil falos antropomorfos tornam-se gigantes em colos quentes de sabor a maçã e cheiro a alecrim!

Araki Nobuyoshi
*O imediatismo de um pensamento reflecte a transparência do indivíduo, torna-o nu.

*Orgias resplandecentes naïf elevam-se lentamente alienadas sexualmente.

*Pujantes erecções mentais invasíveis exaltam desenfreados devaneios.

*Ninfas homofóbicas devoram-me a mente e vomitam híbridos de colhões e clitóris ensanguentados, filhos da podridão humana.

*Um sorriso sem emoção reflecte o vazio de sensações sugadas pela infinitude de um olhar fixo numa sombra sem imagem... 


*...e a vida escondeu-se entre as estrelas, aconchegando-se no seu calor, perdida no sonho de uma mosca adormecida.
Arpad Miklos and Perfume Genius

*Os sonhos são de seda perfumada, suaves como o calor de um beijo de um anjo num falo, como a ondulação de uma língua num clitóris de cetim. Neles amas-me e ignoras.

*Caralhos embriegados, vorazes e endiabrados, de gretas esfomeadas, fogem alucinados.


*Dez mil estetas cósmicos afirmam que amo, na forma de um grito inaudível, a beleza surda da indiferença!

*Efémeras emoções da côr do vento fogem em cintilantes espirais daquilo que mais desejam: o Amor!



*Meu Amor despedaçou-se em infinitas secreções vaginais, atacadas por milhões de jactos de esperma, esquecidos no sonho de um Deus adormecido.

Louise Bourgeois.
Robert Mapplethorpe (1982)
*Um pénis anarquista efectuou uma viagem intergaláctica à velocidade da luz e aterrou num cú conservador extasiado de dor e prazer, contrariando a lei da criação.



*Troco a minha dignidade por um fio brilhante de Amor etéreo e inantingível... sou uma puta!!!


*Deus, durante a criação das coisas em si, apercebeu-se que a dor impulsiona a Vida e tornou-se num sádico por excelência.

*Subtis voluptuosidades embriagam-me o espírito sedento de uma tertúlia incandescente, cúmplice do aroma poético e envergonhado do teu sexo.




Hood




sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Fantasias e divagações revisitadas

Nicolas-François Octave Tassaert - "La Femme Damnée" (1859)



*Algo consome-me o imaginário estético-contemplativo, digno das estrelas e dos astros e de todas as coisas belas em si, como a envolvência espiritual / artística, na sua múltipla condição humana e divina mais pura! Que fazer quando confrontado com a grandiosidade do Belo manifestamente inalcançável?


*A Felicidade é profundamente triste por saber não existir mais estádios a alcançar! Sou feliz por ser triste, por isso não ser nada perante o tudo que posso atingir!

*Um pénis multifacetado (vergalho para os amigos), libertou uma lágrima pálida ao vêr duas vulvas marginais beijarem-se nos lábios. Sexo? Questionam-se os cépticos conservadores perante a audácia de tal beijo ternurento e inocente! Os clítoris, esses, trocam carícias como duas borboletas numa tarde de Primavera.

*Quero sentir o meu sémen gotejar suavemente na tua língua lânguida e veludil, senti-lo na tua vagina sedenta pelo meu falo em libidinosos devaneios!

*Salgado, o teu falo-seda, que uma após outra vez, fecunda a praia da minha imaginação, em compassos lentos demais...!

*O sexo na minha mente não acontece como no que digo ou escrevo. As palavras são apenas um jogo, manipuladas de forma a que o seu utilizador diga o que quer e não o que sente. Elas, ao contrário dos sentimentos e dos pensamentos, que são puros, estão viciadas! Podem ter um valor estético pela forma como são agrupadas ou utilizadas e não propriamente pelo seu significado. Ter liberdade de discurso é também ser livre um pouco.

*A dor trespassa-me a mente, fria e cortante qual lâminas afiadas. Sinto-me a levitar, lentamente, calcorreando rios de prata como um Cristo torturado de cujos lábios, rosados, brotam beijos de sangue vermelho semelhantes aos de um Sol cansado num fim de tarde de Agosto. É possível senti-lo, assim, sorridente e desajeitado?



Hood


Nunca te foram ao cu

Montgomery Clift, "From Here To Eternity", 1953

Nunca te foram ao cu
Nem nas perninhas, aposto!
Mas um homem como tu,
Lavadinho , todo nu, gosto!

Sem ter pentelho nenhum
com certeza, não desgosto,
Até gosto!
Mas... gosto mais de fedelhos.

Vou-lhes ao cu
Dou-lhes conselhos,
Enfim... gosto!



António Botto



*publicado por Hood

domingo, 27 de dezembro de 2015

acerca do amor....

Henri Cartier-Bresson
Sentou-se ao colo, calmo e sereno, amou, e deixou-se amar. Apesar da simplicidade aparente deste acto, o amor encerra em si uma complexidade de emoções, um turbilhão de vontades, medos, e desejos, que se cruzam entre si - por vezes em harmonia, outras vezes chocando-se -, elevando a um extremo a dificuldade de dizer: “amo-te”. Amar alguém implica a coragem de despir-se, mostrar-se, pôr-se nu perante o outro, é deixar as emoções fluírem livremente, sem bloqueios, soltas, em direcção à pessoa amada. O amor não escolhe idade, ou género, o amor encerra em si a pureza maior que transcende todos os convencionalismos sociais, e biológicos: não conhece barreiras. Embora possa existir disfarçadamente entre sorrisos marotos, em olhares fulminantes, na mudez do fingimento da indiferença, o amor está lá, presença constante num espírito prestes a explodir, qual fénix na iminência de romper em chamas e esvoaçar espalhando fagulhas de prazer e desejo. O amor pode ser contido, mas não banido: existe, perene, na alma que o aloja! 



Hood

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Às vezes a alma fica muda e perde calor

Naquela noite ele disse-lhe «amo-te». Agarrou-lhe o braço firmemente, enfatizando a certeza anterior e repetiu: «amo-te». Naquele dia ela tinha libertado as fúrias e não lhe prestou atenção. Ouviu...mas não escutou.
São seres curiosos, as fúrias. Nascem-lhe do centro em tormentas coloridas, envolvendo-se numa profusão misturada de cores, mas sem nunca perderem a identidade individual. Mesclam-se o medo, a  dor, a vergonha, a decepção, as necessidades: de aceitação, de afirmação, de centro, de abraços.
Naquele dia tinham-se libertado todas. Rugiam adentro, extravasavam-se na ausência do sentido discursivo, na imperiosa necessidade de lhes afirmar um centro, de as controlar, de lhes impor limites. Rebelou-se ao verbo, ao tempo em que foi proferido, à confusão que a invadia e não lhe prestou atenção.
Deitou-se ainda convulsa. Tremia inteira e enroscou-se questionando-se incessantemente «porquê?». Porquê hoje? Porquê agora? No entanto, não tinha consciência do verbo. A tormenta chegava-lhe do excesso. Não descansou. Abandonada à sua sorte a mente espiralava pensamentos num rodopio estonteante. Assistiu ao passar das horas, ao nascer do sol e quando desistiu finalmente do descanso necessitado, decidiu-se dissolver as espirais nas águas não menos convulsas de um mar aparentemente mais calmo do que ela.
Cria que a luz do dia as fizesse recuar às muralhas que normalmente as guardam. Distraiu-se com o mundano corriqueiro de um dia de verão. Concentrou-se nos passos alheios e respirou. Acalmou.
Teve pela primeira vez a consciência de que a atenção lhe havia falhado em algum grau, mas não o descortinava.
Chegou-lhe a necessidade do conforto por voz alheia. Colocou a panela no fogo, desmembrou as partes ainda inteiras de uma galinha já cortada e observou o processo de cozedura da mesma. Desfiou-lhe as carnes, juntou-lhe as letras, no final as ramas grossas da hortelã e sentou-se. Inspirou os aromas e permaneceu em quietude durante a eternidade de uns instantes breves. Sorriu perante a lembrança dos ensinamentos da avó - «às vezes, filha, a alma gela-se-nos. Quando não lhe atendemos a voz ela fica muda e perde calor. Nesses dias é preciso aquecê-la, senão o frio toma-nos conta do coração e ficamos doentes. Come a canja, filha, aquece o coração e a alma». Respeitou o ensinamento e comeu.
Ao mesmo tempo que a alma recuperava o calor da voz, alentou-a com palavras outras, de uma alma irmã, para lhe restaurar a faculdade e lhe devolver a fala.
Foi quando lhe ouviu os passos. Sentiu-o entrar antes de o ver. E ouviu-o então distintamente «amo-te».

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Luminescência percepcionada

Ontem ofereceram-me um floco de neve. Há anos que não me cruzava com aquele embrulho vermelho e sorri. O rebuçado, per si, nunca me interessou grandemente, mas o papel que o envolvia sempre representou todo um mundo novo. Recriado a vermelho.
Outros papéis existiram assim na minha vida, uns rosas, outros amarelos, verdes e azuis... Laranjas só me lembro de um.
Ocorreu-me que gostamos de criar. Enquanto criança criava todo um mundo novo a partir daquele embrulho vermelho. Podia viver em Marte ou nas tribos índias do Faroeste. Quando crescemos, não deixa de ser curioso que esbatemos as diferenças entre a realidade e a ficção, e aquilo que observamos através destes auxiliares de visão torna-se uma verdade inequívoca.
É certo que as cores dos papéis se transformaram, em vez de transparências de arco-íris abrimos a panóplia de escolhas a emoções e reacções. E toda a nossa existência passa a ser criada através da roda de Plutchik.
Bradam-se as fúrias aos céus, em como somos os únicos seres no planeta (bolas, se a tempestade estiver atingido o seu auge, do Universo!) a quem qualquer acontecimento inesperado e não desejado acontece! 
Acaricia-se a consciência da inacção individual, extravasando a frustração do seu reconhecimento (mas não integração) na inacção percepcionada do outro. 
Responsabiliza-se outro (ser ou objecto) pela nossa felicidade. É extraordinário quanta felicidade se projecta no «quando estiver com ou possuir este/aquilo serei feliz».
A minha perspectiva de observação preferida concentra-se, ainda, na presunção do conhecimento da resposta. Entra-se no modo ficcional e somos tão extraordinários na criação dos enredos vivenciais. Não disse, não vou, não faço, estou triste, frustrado, irado, decepcionado porque a reacção do outro não corresponde aquilo que ficcionámos internamente. Tinha que ter dito, feito, olhado, estremecido, reagido, esboçado outra coisa qualquer.
Ocorre-me que neste vivenciar das experiências coloridas do papel, não me recordo do sabor do rebuçado...

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Pústulas relacionais

Um dia caí. Quer dizer, devo ter caído umas quantas vezes antes, mas lembro-me especialmente daquela queda. Ia a correr e tropecei. Caí em chão de terra batida, polvilhado de uns seixos pequenos e suaves nas mãos, mas que sofriam certamente de algum tipo de preconceito quanto aos joelhos, uma vez que estreitaram com os meus uma relação bem menos ternurenta.
Lembro de olhar com curiosidade a pele macerada e o sangue que escorria. Nada de grave, mas curioso. Como é que algo tão frágil como a pele guardava algo tão precioso como o sangue? O que é que se escondia para além dela? Poderia chegar a ver os ossos? Eram eles assim tão brancos?
No meio desta fascinada observação até me esqueci que me ardiam os joelhos.
Como criança que era, com o espírito borboleta que ainda hoje me caracteriza, andei por ali a investigar as feridas mais uns instantes, observando o aumento do fluxo de sangue quando apertada a pele de determinada forma e como estancava quando o fazia de outro modo. Depois esqueci. Outro algo prendeu-me a atenção e eis que me levantei e comecei a correr novamente.
Dias mais tarde dediquei-me a observar as bostelas subjacentes. Estava fascinada com aquele sangue seco que regenerava, com as tentativas de o remover sem abrir as lesões da pele ainda não completamente sarada. E nesta investigação continuava a abrir as feridas e libertar o sangue preso adentro.
Lembrei-me deste episódio num flashback ao falar com outro alguém acerca de relações. Dos amores e desamores, das dores das perdas, das expectativas de resposta, das desilusões porque estas não correspondem ao idealizado e ocorreu-me que nesta matéria somos muito crianças. Corremos atrás de sonhos e idealizações com a fé inabalável de quem não sabe que os castelos de nuvens não se habitam.
Caímos amiúde, obviamente. Tropeçamos no inevitável choque entre o expectado e o objecto real das nossas expectativas, que afinal não sorri na forma, trejeito e timing que nos é mais propício e, lá está, esperado. Que afinal tem vontades, desejos, estados de humor, receios, anseios e, pasme-se!, expectativas. Às quais nós não correspondemos. (porque obviamente nada têm a ver connosco)
E aqueles seixos idealizados, tão suaves ao toque e à imaginação romântica, têm afinal pontas aguçadas ao coração. Rasgam os afectos, pequenas lesões de cada vez. Coisas curiosas, que não nos detemos a investigar. Cresce-nos o medo de que se as observarmos, se lhes mexermos, vão piorar a lesão, aumentar a ferida, até que se torne incurável. Não há vacina do tétano que lhe valha.
E ficam as bostelas. Aquelas que vão sarando, seja pela regeneração dos sonhos, seja pelo esquecimento consciente da sua existência.
Até que num outro dia qualquer, outro seixo (ou o mesmo), promove novos estragos, reabre as feridas que afinal ainda por lá existiam, cria novas cicatrizes.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

If...

Marlon Brando, "Há Lodo no Cais", Elia Kazan, 1954.






 If

If you can keep your head when all about you
  Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you,
  But make allowance for their doubting too;
If you can wait and not be tired by waiting,
  Or being lied about, don’t deal in lies,
Or being hated, don’t give way to hating,
  And yet don’t look too good, nor talk too wise:

If you can dream—and not make dreams your master;
  If you can think—and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
  And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
  Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
  And stoop and build ’em up with worn-out tools:

If you can make one heap of all your winnings
  And risk it on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
  And never breathe a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
  To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
  Except the Will which says to them: “Hold on!”

If you can talk with crowds and keep your virtue,
  Or walk with Kings—nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you,
  If all men count with you, but none too much;
If you can fill the unforgiving minute
  With sixty seconds’ worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that’s in it,
  And—which is more—you’ll be a Man, my son.



Rudyard Kipling



*Posted by Hood

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Bekas

Diya Mariwan, Sarwar Fazil, "Bekas", Karzan Kader, 2012

"Bekas" é um retrato belo do amor, que resiste às maiores atrocidades humanas num autêntico  cenário de terror da guerra. Num mundo onde as crianças têm de ser homens mais cedo, de se desenvencilharem e sobreviverem, existe espaço também para a fantasia, e a ilusão. Karzan Kader apresenta-nos dois irmãos órfãos, corajosos, mas muito inocentes, e naif, que sonham fugir da invasão do Saddam Hussein  no Curdistão, e rumarem em direcção à América, montados no seu burro chamado Michael Jackson, onde irão conhecer o Super-homem, que acreditam que irá ajudá-los a derrubar o ditador iraquiano. O realizador consegue, com esta comovente história, nos fazer sorrir com a ingenuidade dos meninos, e simultâneamente tocar no nosso âmago, ferindo-nos a alma com a visão angustiante deste bravos sobreviventes, que  sonham com a união familiar, a felicidade e o amor, num mundo deles, no qual não conseguem discernir entre a realidade e o universo feérico.... preencheu-me o dia!

Hood




*posted by Hood