terça-feira, 14 de abril de 2015

Das expectativas

Amar é, frequentemente, um aborrecimento.
Inflamam-se-nos os sentidos e a libido da necessidade da presença do outro, do toque do outro, sorriso, olhar, cheiro, gestos, manias, sotaque, pronúncia, alterações do ar circundante de quando o outro está presente. E ficamos retidos na memória do mesmo. 
A partir daqui espera-se. Espera-se que o outro cumpra a parte dele. Que responda, manifeste o peso que sente da nossa ausência, o profundo amor que lhe vai na alma e nos sentidos -  retribuído ao nosso, nessa necessidade de sorriso, cheiro, gestos, manias, sotaque, pronúncias e alterações do ar circundante.
E criam-se expectativas. Da espera. Do ideal. Do que será. Do que virá. Da resposta. Do olhar. Do gesto. Do beijo. Aquele que sela, subitamente, a união. Mais do beijo que do sexo, curiosamente...
Amiúde o passo seguinte é a queda no abismo. O outro não respondeu, não estava, não sorriu, não cheirava, não chorou, não nada. - Raios para ele! Já não quero saber! Era o que me faltava, ficar aqui a sofrer por quem não merece! Parto sem dizer adeus.
E o outro, ignorante desta criação dramática, continua no seu quotidiano, impávido e sereno perante a tempestade de emoções de que foi inspirador, sem ter necessariamente consciência disso. Outras vezes, preso no tumulto das suas ventanias, sem reparar tampouco na reciprocidade dos ventos. 
É neste momento que somos deuses. Fecundamos a imaginação empolada dos sentidos de cenários oníricos e geramos a mágoa, tristeza e ira de os ver desfeitos. 
PIM!
Amar é um aborrecimento.
O estranho desta história é que se amou antes. Antes do onírico e da necessidade de resposta. Amou-se o sorriso, o olhar, o cheiro, os gestos, as manias, o sotaque, a pronúncia, as alterações do ar circundante. Mas perante as expectativas criadas, este antes tolhe-se e morre. O sorriso é afinal um esgar, o olhar indiferente, o cheiro artificial, os gestos programados, as manias intoleráveis, o sotaque ridículo, a pronúncia irritante, as alterações do ar uma ilusão ingénua. 
Ficamos, como o rei, nús perante a multidão. 
E amar, naquele momento, não é só aborrecido. É também ridículo.


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