domingo, 27 de dezembro de 2015

acerca do amor....

Henri Cartier-Bresson
Sentou-se ao colo, calmo e sereno, amou, e deixou-se amar. Apesar da simplicidade aparente deste acto, o amor encerra em si uma complexidade de emoções, um turbilhão de vontades, medos, e desejos, que se cruzam entre si - por vezes em harmonia, outras vezes chocando-se -, elevando a um extremo a dificuldade de dizer: “amo-te”. Amar alguém implica a coragem de despir-se, mostrar-se, pôr-se nu perante o outro, é deixar as emoções fluírem livremente, sem bloqueios, soltas, em direcção à pessoa amada. O amor não escolhe idade, ou género, o amor encerra em si a pureza maior que transcende todos os convencionalismos sociais, e biológicos: não conhece barreiras. Embora possa existir disfarçadamente entre sorrisos marotos, em olhares fulminantes, na mudez do fingimento da indiferença, o amor está lá, presença constante num espírito prestes a explodir, qual fénix na iminência de romper em chamas e esvoaçar espalhando fagulhas de prazer e desejo. O amor pode ser contido, mas não banido: existe, perene, na alma que o aloja! 



Hood

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Às vezes a alma fica muda e perde calor

Naquela noite ele disse-lhe «amo-te». Agarrou-lhe o braço firmemente, enfatizando a certeza anterior e repetiu: «amo-te». Naquele dia ela tinha libertado as fúrias e não lhe prestou atenção. Ouviu...mas não escutou.
São seres curiosos, as fúrias. Nascem-lhe do centro em tormentas coloridas, envolvendo-se numa profusão misturada de cores, mas sem nunca perderem a identidade individual. Mesclam-se o medo, a  dor, a vergonha, a decepção, as necessidades: de aceitação, de afirmação, de centro, de abraços.
Naquele dia tinham-se libertado todas. Rugiam adentro, extravasavam-se na ausência do sentido discursivo, na imperiosa necessidade de lhes afirmar um centro, de as controlar, de lhes impor limites. Rebelou-se ao verbo, ao tempo em que foi proferido, à confusão que a invadia e não lhe prestou atenção.
Deitou-se ainda convulsa. Tremia inteira e enroscou-se questionando-se incessantemente «porquê?». Porquê hoje? Porquê agora? No entanto, não tinha consciência do verbo. A tormenta chegava-lhe do excesso. Não descansou. Abandonada à sua sorte a mente espiralava pensamentos num rodopio estonteante. Assistiu ao passar das horas, ao nascer do sol e quando desistiu finalmente do descanso necessitado, decidiu-se dissolver as espirais nas águas não menos convulsas de um mar aparentemente mais calmo do que ela.
Cria que a luz do dia as fizesse recuar às muralhas que normalmente as guardam. Distraiu-se com o mundano corriqueiro de um dia de verão. Concentrou-se nos passos alheios e respirou. Acalmou.
Teve pela primeira vez a consciência de que a atenção lhe havia falhado em algum grau, mas não o descortinava.
Chegou-lhe a necessidade do conforto por voz alheia. Colocou a panela no fogo, desmembrou as partes ainda inteiras de uma galinha já cortada e observou o processo de cozedura da mesma. Desfiou-lhe as carnes, juntou-lhe as letras, no final as ramas grossas da hortelã e sentou-se. Inspirou os aromas e permaneceu em quietude durante a eternidade de uns instantes breves. Sorriu perante a lembrança dos ensinamentos da avó - «às vezes, filha, a alma gela-se-nos. Quando não lhe atendemos a voz ela fica muda e perde calor. Nesses dias é preciso aquecê-la, senão o frio toma-nos conta do coração e ficamos doentes. Come a canja, filha, aquece o coração e a alma». Respeitou o ensinamento e comeu.
Ao mesmo tempo que a alma recuperava o calor da voz, alentou-a com palavras outras, de uma alma irmã, para lhe restaurar a faculdade e lhe devolver a fala.
Foi quando lhe ouviu os passos. Sentiu-o entrar antes de o ver. E ouviu-o então distintamente «amo-te».

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Luminescência percepcionada

Ontem ofereceram-me um floco de neve. Há anos que não me cruzava com aquele embrulho vermelho e sorri. O rebuçado, per si, nunca me interessou grandemente, mas o papel que o envolvia sempre representou todo um mundo novo. Recriado a vermelho.
Outros papéis existiram assim na minha vida, uns rosas, outros amarelos, verdes e azuis... Laranjas só me lembro de um.
Ocorreu-me que gostamos de criar. Enquanto criança criava todo um mundo novo a partir daquele embrulho vermelho. Podia viver em Marte ou nas tribos índias do Faroeste. Quando crescemos, não deixa de ser curioso que esbatemos as diferenças entre a realidade e a ficção, e aquilo que observamos através destes auxiliares de visão torna-se uma verdade inequívoca.
É certo que as cores dos papéis se transformaram, em vez de transparências de arco-íris abrimos a panóplia de escolhas a emoções e reacções. E toda a nossa existência passa a ser criada através da roda de Plutchik.
Bradam-se as fúrias aos céus, em como somos os únicos seres no planeta (bolas, se a tempestade estiver atingido o seu auge, do Universo!) a quem qualquer acontecimento inesperado e não desejado acontece! 
Acaricia-se a consciência da inacção individual, extravasando a frustração do seu reconhecimento (mas não integração) na inacção percepcionada do outro. 
Responsabiliza-se outro (ser ou objecto) pela nossa felicidade. É extraordinário quanta felicidade se projecta no «quando estiver com ou possuir este/aquilo serei feliz».
A minha perspectiva de observação preferida concentra-se, ainda, na presunção do conhecimento da resposta. Entra-se no modo ficcional e somos tão extraordinários na criação dos enredos vivenciais. Não disse, não vou, não faço, estou triste, frustrado, irado, decepcionado porque a reacção do outro não corresponde aquilo que ficcionámos internamente. Tinha que ter dito, feito, olhado, estremecido, reagido, esboçado outra coisa qualquer.
Ocorre-me que neste vivenciar das experiências coloridas do papel, não me recordo do sabor do rebuçado...

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Pústulas relacionais

Um dia caí. Quer dizer, devo ter caído umas quantas vezes antes, mas lembro-me especialmente daquela queda. Ia a correr e tropecei. Caí em chão de terra batida, polvilhado de uns seixos pequenos e suaves nas mãos, mas que sofriam certamente de algum tipo de preconceito quanto aos joelhos, uma vez que estreitaram com os meus uma relação bem menos ternurenta.
Lembro de olhar com curiosidade a pele macerada e o sangue que escorria. Nada de grave, mas curioso. Como é que algo tão frágil como a pele guardava algo tão precioso como o sangue? O que é que se escondia para além dela? Poderia chegar a ver os ossos? Eram eles assim tão brancos?
No meio desta fascinada observação até me esqueci que me ardiam os joelhos.
Como criança que era, com o espírito borboleta que ainda hoje me caracteriza, andei por ali a investigar as feridas mais uns instantes, observando o aumento do fluxo de sangue quando apertada a pele de determinada forma e como estancava quando o fazia de outro modo. Depois esqueci. Outro algo prendeu-me a atenção e eis que me levantei e comecei a correr novamente.
Dias mais tarde dediquei-me a observar as bostelas subjacentes. Estava fascinada com aquele sangue seco que regenerava, com as tentativas de o remover sem abrir as lesões da pele ainda não completamente sarada. E nesta investigação continuava a abrir as feridas e libertar o sangue preso adentro.
Lembrei-me deste episódio num flashback ao falar com outro alguém acerca de relações. Dos amores e desamores, das dores das perdas, das expectativas de resposta, das desilusões porque estas não correspondem ao idealizado e ocorreu-me que nesta matéria somos muito crianças. Corremos atrás de sonhos e idealizações com a fé inabalável de quem não sabe que os castelos de nuvens não se habitam.
Caímos amiúde, obviamente. Tropeçamos no inevitável choque entre o expectado e o objecto real das nossas expectativas, que afinal não sorri na forma, trejeito e timing que nos é mais propício e, lá está, esperado. Que afinal tem vontades, desejos, estados de humor, receios, anseios e, pasme-se!, expectativas. Às quais nós não correspondemos. (porque obviamente nada têm a ver connosco)
E aqueles seixos idealizados, tão suaves ao toque e à imaginação romântica, têm afinal pontas aguçadas ao coração. Rasgam os afectos, pequenas lesões de cada vez. Coisas curiosas, que não nos detemos a investigar. Cresce-nos o medo de que se as observarmos, se lhes mexermos, vão piorar a lesão, aumentar a ferida, até que se torne incurável. Não há vacina do tétano que lhe valha.
E ficam as bostelas. Aquelas que vão sarando, seja pela regeneração dos sonhos, seja pelo esquecimento consciente da sua existência.
Até que num outro dia qualquer, outro seixo (ou o mesmo), promove novos estragos, reabre as feridas que afinal ainda por lá existiam, cria novas cicatrizes.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

If...

Marlon Brando, "Há Lodo no Cais", Elia Kazan, 1954.






 If

If you can keep your head when all about you
  Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you,
  But make allowance for their doubting too;
If you can wait and not be tired by waiting,
  Or being lied about, don’t deal in lies,
Or being hated, don’t give way to hating,
  And yet don’t look too good, nor talk too wise:

If you can dream—and not make dreams your master;
  If you can think—and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
  And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
  Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
  And stoop and build ’em up with worn-out tools:

If you can make one heap of all your winnings
  And risk it on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
  And never breathe a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
  To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
  Except the Will which says to them: “Hold on!”

If you can talk with crowds and keep your virtue,
  Or walk with Kings—nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you,
  If all men count with you, but none too much;
If you can fill the unforgiving minute
  With sixty seconds’ worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that’s in it,
  And—which is more—you’ll be a Man, my son.



Rudyard Kipling



*Posted by Hood

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Bekas

Diya Mariwan, Sarwar Fazil, "Bekas", Karzan Kader, 2012

"Bekas" é um retrato belo do amor, que resiste às maiores atrocidades humanas num autêntico  cenário de terror da guerra. Num mundo onde as crianças têm de ser homens mais cedo, de se desenvencilharem e sobreviverem, existe espaço também para a fantasia, e a ilusão. Karzan Kader apresenta-nos dois irmãos órfãos, corajosos, mas muito inocentes, e naif, que sonham fugir da invasão do Saddam Hussein  no Curdistão, e rumarem em direcção à América, montados no seu burro chamado Michael Jackson, onde irão conhecer o Super-homem, que acreditam que irá ajudá-los a derrubar o ditador iraquiano. O realizador consegue, com esta comovente história, nos fazer sorrir com a ingenuidade dos meninos, e simultâneamente tocar no nosso âmago, ferindo-nos a alma com a visão angustiante deste bravos sobreviventes, que  sonham com a união familiar, a felicidade e o amor, num mundo deles, no qual não conseguem discernir entre a realidade e o universo feérico.... preencheu-me o dia!

Hood




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terça-feira, 23 de junho de 2015

O medo de amar... e de ser amado!



O medo de ser amado é avassalador, corrói-nos a auto-estima, e deixa-nos num vácuo, um vazio, onde a insegurança, e a fobia ao outro, impera. A fuga ao amor é a ignição de uma necessidade oposta e incongruente a essa evasão: a vontade de ser amado… e não conseguir!  Observar o objecto do nosso desejo, ansiar pelo toque, pelos afectos, e imaginar tudo isso num rodopio anti-gravitacional, provoca uma contemplação inatingível, que descamba quase sempre em utopias e platonismos. Fugir ao amor, no entanto, pode ser o pavor de amar, de se dizer que se ama, é o altear barreiras à transparência, é o censurar a nós próprios o direito de expressar o quanto se ama alguém… o medo de ser amado é absurdo e ilógico! 


Hood






*posted by Hood

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Estrela (de)cadente

Edie Sedgwick

Estrela iludida entre um mar de admiradores... elevada na glória da fama, na cama de incontáveis amantes, em orgias regadas a álcool e tabaco refinado, torna-se vítima da solidão, que domina e entranha-se por entre os lençóis, e corrói as emoções, frágeis, abanadas pelo zéfiro da vaga ilusão de ser amada! 
Hood





Catch a Fallen Star


Black rings round your eyes
And you're spewing your lies
That you know is your old routine

Spilling your drink

With a nod and wink

As you boast about people you've been

Smoking your cigarette

Down to the butt

And your teeth are as black as the tar
You tell them at sex
You're a stud in the bed
As you hang for your life on the bar
And you see your own peak
On the top of the mountain
Of bodies you trod on to get there
Shit on me, shit on her
Shit on you in the end
And they won't even lend you the bus fare
Now you're boring the pants off
The tart on the dance-floor
As you tell her the person you once were
She just sees you as trash
But she creams at the cash

That you might pay just to grope her 
And this town is a potpourri of disease

Can you smell the herpes from the scum-sucking fucks

That hang around the same suckers each mid-night

You were being your photo

And spouting your promo

Flicking back your limp whip

That's as limp as your dick

Irritating your greedy cross-eyed sight
Oh Christ and you're greasing up now
To the creepy old cow
That would sell out your mother and besides
Your sell-out assured
You were always a whore
And you've always been taken for long rides
At the smell of the bride
You go jelly inside
As you step up the gold ladder to big time
Kick them on the way up, kick you on the way down
And you'll need them all again in good time
Your friend is the "yes"-man
Who sits by your side
With his hand in your pocket all the time
And he's messing your head
Tries to get you in bed
Well it's all masturbation of a kind

What you earn, heaven knows
It goes straight up your nose
And you strangle your health in the end
And you're blinded by bull
And you've really been full
And it's driving you straight round the bend
And you're told that a smile is so worth your while
Its what "yes"-men call diplomacy
It'll get you the goal
But while losing the soul
You're forgetting the quality
And you heave on your drink
As you're starting to think
That all that shines may not be lam?
But a cheap substitute
That'll give you the boot
You're just a stiff at a funeral party
Where you slouch on the bar
With the arm in the beer
Wearing yesterday's mascara today
And it runs when you cry about living a lie
And the lie's starting to fade away
Fade away

Repeat...
Fade away
...till fade away


Marc & the Mambas




*posted by Hood

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Platonismo

Barbara Kruger
Estou apaixonado novamente! Por vezes acho que a minha libido é como folhas esvoaçantes numa tarde ventosa de Outono: está sempre no ar! Hoje, ainda não são 11h da manhã, e já me apaixonei cinco vezes; meia dezena de olhares, e sorrisos, conquistaram-me e derreteram-me qual manteiga debaixo de um sol escaldante! São paixões efémeras, rápidas, e fugazes, que fazem a alma sorrir interiormente, e pensar em como a Vida, e as pessoas, podem ser bonitas! Os breves lampejos de paixão são agradáveis, descomprometidos, e fazem-me sentir feliz, já as grandes paixões, que se arrastam pesadamente no tempo, são um aborrecimento, e cansam muito. Estou apaixonado de novo, mas não são apenas estilhaços de amor, aleatórios, de estranhos que se cruzam comigo no decorrer do dia, é mais uma daqueles amores platónicos que perduram…. que ficam a moer como uma pedra no sapato, da qual nunca nos conseguimos libertar! Aquelas pessoas que nos entram na vida para ficarem muito tempo, que se alojam naquela zona libidinosa do nosso cérebro, que nos despertam um tesão incontrolável, e uma exaltação das emoções mais profundas, são uma chatice incomensurável, que proporcionam uma trabalheira extenuante para lidar com elas: pensar nelas, sonhar com elas, criar expectativas… uma labuta imparável, para acabar por concluir que afinal tudo não passa de uma ilusão! Acho que estou a desenvolver uma nova paixão… e não estou a gostar! 

Hood


*posted by Hood

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Lost

Não tenho memória de aprendizagens simples na minha vida. Enquanto o conhecimento empírico me é simples e rápido, as aprendizagens, as da vida, da relação comigo enquanto ser humano e dito racional, são genericamente violentas, dolorosas, longas. 
Perduram-me em banho-maria as ausências de sentido que as certezas dos outros me imprimem à pele, sem que lhes descortine, de imediato, os elementos alérgicos.
Quando presto atenção, nas raras vezes em isso acontece, percebo o diálogo existente entre mim e o quântico que integro e ao qual pertenço. Na maioria das vezes essa atenção necessita de me ser imposta. Um pouco como aos gauleses é necessário que o céu me caia em cima.
E isso gera frustação. Um diálogo permanente entre o «presta atenção miúda» e a atenção que raramente se gera. E quanto maior o esforço pelo foco, mais ele me escapa.
Um dia, enredada nesse sofrimento desatencional (a palavra é provavelmente inventada, apetece-me!) alguém me disse sorrindo «parabéns, estás viva». Respirei. Mas este associar como sinónimos a desatenção e a vida causa-me algum mal-estar aos sentidos.
Hoje foi um novo dia desatento. Estou viva. E contínuo a não gostar da desorientação que isso me causa.

sábado, 25 de abril de 2015

...sobre a vida e a felicidade... e o cansaço de tudo isto!


Cindy Sherman
A vida é uma inevitabilidade que nos acontece por acaso, é um acidente, não pedimos para viver, mas quando esta nos acontece, torna-se urgente aprender a passar por ela; viver com o mundo e connosco próprios, e isto, por vezes, é um peso enorme! Não querendo subestimar as alegrias do sentir, do respirar, do estar, do motivo de viver, conviver, de tudo o que pode ser razão de júbilo em estar vivo, a vida pode cansar, causar fadiga de lutar por tudo isto. Na fase do esperar, do lutar, o resultado pode estar mesmo ali à mão, mas a espera estende-se numa linha infinita, aparentemente inalcançável, de ansiedade… estou farto! As alegrias, quando forçadas, não sentidas, tornam-se exasperantes! É fastidioso e exacerbante ser alegre à força, viver as alegrias dos outros, os ideais dos outros, aquilo que é comum, e esquecer-nos de nós! Tudo acaba por ser estereotipado, e se não vivemos dentro desse estereótipo, estamos mal…. se definem que a luz, as flores, ou o brilho, são sinónimos de alegria, e eu, se me sinto feliz com a noite, com o negro, ou com as árvores despidas, não posso ser feliz, nem alegre, não existo no mundo dos outros! Aprendi com isto a estar só…. estar no meu mundo, isolado, sentir as minhas alegrias, independentemente da opinião dos outros. Aprendi a estar comigo, ser feliz comigo, e saber que não há nada de mal em gostar da noite, da poesia imagética de flores mortas, e romances impossíveis, de gin à meia noite ao som de Marc Almond, da imagem artística corrosiva da decadência, dos poetas malditos, de Tarkovsky, de Baudelaire na voz da Diamanda Galás, ou da voz dolente do Leonard Cohen a adornar o espírito e a alma. Aprendi que quanto mais genuínos somos com nós próprios, mais felizes nós somos!






"Comes the night

comes the cold

comes the face

of the one I love



I see the birds

upon the rock

the crows that knew

your name and came on time



LIGHTS OUT

LIGHTS OUT

LIGHTS OUT

LIGHTS OUT



I see your eyes

we held your hands

What did you think

about until the angels came



Birds that love you know

what you know now

Could I have stopped them

from holding you down



LIGHTS OUT

LIGHTS OUT

LIGHTS OUT

LIGHTS OUT



Friends and lovers

the night draws near

your eyes don't fool her

who knows your fear



Birds of death

I've seen you all before

Birds of love cry

"This is yours no more!"



LIGHTS OUT

LIGHTS OUT

LIGHTS O UT

LIGHTS OUT



What is the answer to the waste of 10,000 days?

Your soul is now my destination

until the blackbirds come."


Diamanda Galás



*posted by Hood

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Pode um beijo valer um par de sapatos?

Toda a minha vida ouvi que os melhores presentes são aqueles que não se podem comprar. Não existem nas lojas, não têm o brilho polido pelos catálogos, não surgem embrulhados em papel colorido, mais ou menos artístico.
Amar é o melhor presente. Mas chato. Amar traz acoplado a si o medo. Da dor, da perda, da traição, da morte. É um presente com duas faces. É tão mais gratificante, no imediato, desembrulhar um par de sapatos novos. O número é o certo, o material é confortável, a cor e textura o que se pretende e o ajuste é perfeito!
Claro que o sapato sofre o desgaste da erosão natural. Sentindo-se a necessidade da troca a médio prazo. A cor desbotou pela ação do sol, o brilho perdeu-se entre o escape de um veículo e o cuidado esmorecido que o passar do tempo lhe vai dedicando, o design à muito que passou de moda e novos modelos surgem nas montras para contrastar com esse amor outonal que o sapato em nós desperta. Como a folha é necessário deixá-lo ir. A vantagem é que as ocasiões para renovar os eflúvios apaixonantes que o sapato em nós inicialmente despertou se repetem a espaços fixos e móveis. E novos embrulhos trazem novas palpitações. 
Torna-se um ciclo vicioso. Pode um beijo valer um par de sapatos?
Aos 20 anos para mim não valia. Enquanto o par de sapatos abria um leque de possibilidades, o beijo encerrava a promessa de limites. E assim ficava-me a polaridade e a argumentação interna entre a consciência de que o amor é maior e superior e o prazer hedonista do desembrulho e da surpresa que este encerra.
A vantagem de ter presente um assunto, mesmo em conflito interno, é que as perspectivas vão brotando. Os sapatos foram sendo cada vez menos importantes, sobretudo quando me apercebi que muitas vezes tinha de fazer uma escolha não explícita entre eles e a presença de quem os oferecia. E se o amor vago e retórico tem dificuldade em impor-se perante um embrulho brilhante, este perde todo o seu brilho perante um espaço vazio de ausência.
À ausência foram-se somando outras perspectivas, amiúde impostas pela distância. Não há prazer que se compare aos braços dos que amamos, aos sorrisos que partilhamos em torno das histórias que já vivemos ou das memórias que estamos a construir. 
A consciência evolui e subitamente apercebo-me que há mais para além dessa partilha. O outro. E que os melhores presentes que tenho recebido nestes últimos meses se embrulham em palavras que têm agora outra dimensão. A minha é, neste momento, confiança. 
Um beijo pode não valer um par de sapatos, mas ser depositário da confiança de alguém vale. 

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Da solidão... e do amor!

Um caminhante solitário é frequentemente uma figura enigmática, que esconde todo um universo de vivências, de dores e alegrias, camufladas num olhar ausente, no silêncio do caminhar isolado. Qual John Wayne saído de um filme do John Ford, misógino, de cigarro na boca, botas empoeiradas, de porte homoerótico, ou um qualquer samurai do Akira Kurosawa, de honra incorruptível, destemido, sem medo, porém reservado (insulado…), o homem tímido esconde um semblante fascinante ausente, e simultaneamente Belo… voltei a me apaixonar… a solidão dos outros atrai-me…!
Agarrei-me a uma adoração platónica, num ritual quase pop, de uma imagem que me persegue, qual estrela de cinema emoldurada na parede, causa de suspiros, ritmos cardíacos acelerados, e lágrimas derramadas. Porquê?! Empatia com a solidão do outro? Atração pelo inalcançável? O inatingível torna-se cobiçável, o desejo comanda a razão, e o sonho sobrepõe-se à realidade!





Hood







"I'm So Lonesome I Could Cry"

Hear that lonesome whippoorwill
He sounds too blue to fly
The midnight train is whining low
I'm so lonesome I could cry

I've never seen a night so long
When time goes crawling by
The moon just went behind the clouds
To hide its face and cry

Did you ever see a robin weep
When leaves begin to die?
Like me, he's lost the will to live
I'm so lonesome I could cry

The silence of a falling star
Lights up a purple sky
And as I wonder where you are
I'm so lonesome I could cry


Hank Williams




*posted by Hood

terça-feira, 14 de abril de 2015

Das expectativas

Amar é, frequentemente, um aborrecimento.
Inflamam-se-nos os sentidos e a libido da necessidade da presença do outro, do toque do outro, sorriso, olhar, cheiro, gestos, manias, sotaque, pronúncia, alterações do ar circundante de quando o outro está presente. E ficamos retidos na memória do mesmo. 
A partir daqui espera-se. Espera-se que o outro cumpra a parte dele. Que responda, manifeste o peso que sente da nossa ausência, o profundo amor que lhe vai na alma e nos sentidos -  retribuído ao nosso, nessa necessidade de sorriso, cheiro, gestos, manias, sotaque, pronúncias e alterações do ar circundante.
E criam-se expectativas. Da espera. Do ideal. Do que será. Do que virá. Da resposta. Do olhar. Do gesto. Do beijo. Aquele que sela, subitamente, a união. Mais do beijo que do sexo, curiosamente...
Amiúde o passo seguinte é a queda no abismo. O outro não respondeu, não estava, não sorriu, não cheirava, não chorou, não nada. - Raios para ele! Já não quero saber! Era o que me faltava, ficar aqui a sofrer por quem não merece! Parto sem dizer adeus.
E o outro, ignorante desta criação dramática, continua no seu quotidiano, impávido e sereno perante a tempestade de emoções de que foi inspirador, sem ter necessariamente consciência disso. Outras vezes, preso no tumulto das suas ventanias, sem reparar tampouco na reciprocidade dos ventos. 
É neste momento que somos deuses. Fecundamos a imaginação empolada dos sentidos de cenários oníricos e geramos a mágoa, tristeza e ira de os ver desfeitos. 
PIM!
Amar é um aborrecimento.
O estranho desta história é que se amou antes. Antes do onírico e da necessidade de resposta. Amou-se o sorriso, o olhar, o cheiro, os gestos, as manias, o sotaque, a pronúncia, as alterações do ar circundante. Mas perante as expectativas criadas, este antes tolhe-se e morre. O sorriso é afinal um esgar, o olhar indiferente, o cheiro artificial, os gestos programados, as manias intoleráveis, o sotaque ridículo, a pronúncia irritante, as alterações do ar uma ilusão ingénua. 
Ficamos, como o rei, nús perante a multidão. 
E amar, naquele momento, não é só aborrecido. É também ridículo.


segunda-feira, 13 de abril de 2015

«A sinceridade é uma qualidade dispensável num amante*»

A Ana orientou os meus devaneios mentais para a verborreia dos amantes que despi ao acaso. A necessidade imperativa de se sentirem aceites. Uma polarização, de facto. Oscilava o discurso entre a superioridade do macho independente, cultivada pela necessidade social de serem livres, de amarem livremente, ou foderem livremente (a diferença era, amiúde, ténue) e a necessidade de se justificarem, de os aceitar na sua liberdade, nos seus caprichos, na sua violência direccionada.
A mim cansam-me os discursos. Os diálogos que são monólogos, a conversa que precisam de ter, não comigo, mas ao espelho. 
A um amante exijo pele e empenho. Espírito, talvez. As confidências pertencem aos confessionários, à partilha das alcovas, ao esforço de conjugar o sexo com valores acrescidos. 


* O título deste post foi subtraído a este outro: http://ana-de-amsterdam.blogspot.pt/2015/04/licao-de-anatomia.html

domingo, 12 de abril de 2015

Gozo VI

GOZO VI



São de bronze
os palácios do teu sangue

de cristal absorto
encimesmado

São de esperma
os rubis que tens no corpo
a crescerem-te no ventre
ao acaso

São de vento – são de vidro
são de vinho
os liquidos silencios dos teus olhos

as rutilas esmeraldas que
sózinhas
ferem de verde aquilo que tu escolhes

São cintilantes grutas
que germinam
na obscura teia dos teus lábios

o hálito das mãos
a língua – as veias

São de cupulas crisálidas
são de areia

São de brandas catedrais
que desnorteiam

(São de cupulas crisálidas
são de areia)

na minha vulva
o gosto dos teus espasmos



Maria Tereza Horta









*posted by Hood